É
Carnaval e eu não estou com fantasia
Tereza
Cristina
É
carnaval, mas o silêncio de minha cidade me faz sentir em um retiro espiritual.
Nesse clima de calmaria, abro alas para minha alma e encaro a bateria que dá um
toque molhado aos meus olhos. Na comissão de frente, chegam alguns pensamentos
que definem o meu pensamento, saudando as lembranças e deixando que as emoções
fluam de acordo com o compasso de um samba enredo que tem como tema a
nostalgia. Sinto um vazio que combina com a quebra da rotina do meu lugar. O
transito quase inexistente faz lembrar as ruas de minha infância quando os
meninos faziam delas um campo para jogar futebol de tão raro era a passagem de
um automóvel. Naquele tempo, eram contados os donos de um carro. As bicicletas
davam o ar de brincadeira de adultos e se sobressaiam.
Na
época do carnaval, os garotos costumavam enfeitá-las e adicionar uma buzina
própria que anunciava o tempo de folia. Já no sábado, na feira livre um auto-falante público no Largo Santo Antônio tocava as famosas marchinhas de
carnaval e no domingo em uma esquina da Praça João Pessoa, bem em frente à casa
de minha tia Cristina, o dentista prático Eduardo Porto colocava uma caixa de
som com as canções do Capiba para alegrar os transeuntes. Gostava daquelas
melodias que atiçavam minha imaginação sobre um carnaval das ruas do Recife,
imaginando como o frevo contagiava a todos.
A
esse respeito, meu pai era vendedor ambulante de tecido em feiras livres. Em
seu boteco o embrulho se valia das páginas das revistas Cruzeiro, Manchete,
Fatos e Fotos, que o jornaleiro não conseguindo vender a tempo, o oferecia por
um preço razoável os números atrasados sem a capa. Todas as vezes que ele as
adquiria sempre separava um exemplar para que eu lesse. Gostava de ver as fotos
e reportagens sobre o carnaval. As fantasias e os foliões chamavam a minha
atenção pela beleza dos desfiles e pelo registro da alegria que juntava multidões
nas ruas do Recife. Naquelas páginas, tudo era encantador: as sombrinhas que
caracterizam o frevo, os passistas nas ruas se divertindo, as pedrarias das
roupas nos corpos carnavalescos, os fantasiados para o baile tradicional do
Copacabana Palace davam um colorido especial às páginas que após o período do
carnaval circulava para o deleite dos que não podiam participar e se bastavam
em apreciar mesmo que através de uma revista. Claro que essa era a única forma
de compartilhar notícias por todo o país. A TV ainda não existia por aqui.
Tais
lembranças me deixam meio melancólica. O tempo que trouxe as imagens ao vivo da
TV e depois da internet aos poucos tirou a poesia nas pessoas. Por isso, enquanto
permito avivar tais recordações, não faço o mesmo com a alegria fantasiosa. É
da crueza da vida que hoje sinto as questões mais difíceis de serem respondidas.
Diante de obrigações cotidianas, me nego a fantasias e descubro no silencioso
dia essas palavras saídas do peito e não ditas como quem procura o que nunca
será encontrado.
2 comentários:
Que lindo texto! Crônica poética como você bem sabe fazer!
Parabéns Teresa Cristina. Belíssimo texto. A vivência recontada em poesia.
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