domingo, 20 de outubro de 2019

Sombra e água fresca

















Sombra e água fresca
Tereza Cristina

O sossego da manhã de domingo me faz muito bem. O frescor suavizante da estação tranquiliza minha mente e me dá a sensação de levitar. Com o corpo leve, todas as preocupações se vão como um passe de mágica. Esqueço-me dos medos, dos receios bobos, de quem se limita, de quem se esquece do poder de se possibilitar. Sem pensar racionalmente, penso com um sentimento harmonioso. Sinto apenas. Isso ocorre por alguns breves instantes. E, se esse tempo mensurado fosse, teria sua medição em coeficientes infinitos. Promovo assim, uma entrega total do meu Ser. Então, percebo a importância do silêncio. E experiencio uma paz profunda!
De tal modo, desperto com o efeito dessa vivência e compreendo que a quietude da manhã de domingo me remete às lembranças da infância.  Por um breve momento, reencontrei a mesma paisagem. Viajo no tempo e me vejo saltitante de alegria no quintal da minha casa, embandeirado de roupas no varal.  A mangueira exalando um aroma de seus frutos maduros, com um cheiro apetitoso e sua frondosa sombra que salvava minha pele tão branca do sol causticante que aqui predomina na maior parte do ano. Ali, na sombra da gigante árvore, podia brincar à vontade enquanto minha mãe cuidava dos serviços domésticos. Por ser filha única, costumava brincar sozinha. De quando em vez, ouvia naquele silencioso ambiente, o vento executar uma sinfonia que tinha nas folhas da mangueira seus principais instrumentos musicais. Mas não só. As cercas vivas que dividiam os quintais vizinhos também deixavam que sons alheios entrassem na orquestração: vozes de adultos, gritos e choros de crianças, risos de pessoas... As conversas para mim não tinham sentido, nem mesmo lembro-me do se tratavam, mas significavam vida naquele contexto melódico. Mesmo à sombra da velha mangueira, no final da manhã o calor ficava insuportável. Perto do meio dia, o cheiro da comida que vinha da cozinha sinalizava a hora de tomar um banho e mudar o lugar da brincadeira. O banho tinha que ser rápido. A água fresca, quase gelada que banhava meu corpo era conseguida com dificuldade uma vez por semana.  Transportado em toneis de zinco de algum reservatório da cidade tinha que ser coado para encher a caixa d’água do banheiro.  Lembro-me do Chafariz que ficava na rua da pedreira perto de minha casa e que por ser de um poço de água doce, podia ser conseguido em pequenas porções destinadas apenas para cozinhar e beber.  Na cozinha de casa, havia três potes e um filtro de barro que minha mãe conservava sempre cheios.  Depois do banho, a rotina seguia com uma refeição acompanhada de outros sons que enfeitavam a simplicidade da moradia.  O almoço era regado pela voz de Silva Lima conseguida na frequência sintonizada no aparelho de rádio que meu pai tinha comprado na capital.. Eu tinha a impressão de que o dono daquela voz estava quase na mesa participando da refeição conosco. Imaginava sua face, e seu tamanho. Parecia-me ser um homem alto, forte, e apressado. Falava como se tivesse cantando. Seria difícil acreditar que ele não estivesse bem ali, pertinho da mesa posta. Na realidade, nunca vi aquele homem. Mas, convivi com sua voz bem na hora do almoço por quase toda minha infância. Não lembro o que dizia. Não era meu interesse de criança. Ouvia sem ouvir. Mas apreciava aquele jeito de falar.
Essas pinceladas de recordações me vem nesta manhã calma de um domingo de primavera onde acordo enquanto aqui em casa todos ainda dormem. Levanto para o exercício da rotina de fim de semana e pela semelhança da quietude da vida da época sem as opções trazidas pela modernidade, encontro mais espaço de vida com serenidade.