Sombra
e água fresca
Tereza Cristina
O
sossego da manhã de domingo me faz muito bem. O frescor suavizante da estação
tranquiliza minha mente e me dá a sensação de levitar. Com o corpo leve, todas
as preocupações se vão como um passe de mágica. Esqueço-me dos medos, dos
receios bobos, de quem se limita, de quem se esquece do poder de se
possibilitar. Sem pensar racionalmente, penso com um sentimento harmonioso.
Sinto apenas. Isso ocorre por alguns breves instantes. E, se esse tempo
mensurado fosse, teria sua medição em coeficientes infinitos. Promovo assim, uma
entrega total do meu Ser. Então, percebo a importância do silêncio. E experiencio
uma paz profunda!
De
tal modo, desperto com o efeito dessa vivência e compreendo que a quietude da
manhã de domingo me remete às lembranças da infância. Por um breve momento, reencontrei a mesma
paisagem. Viajo no tempo e me vejo saltitante de alegria no quintal da minha
casa, embandeirado de roupas no varal. A
mangueira exalando um aroma de seus frutos maduros, com um cheiro apetitoso e
sua frondosa sombra que salvava minha pele tão branca do sol causticante que
aqui predomina na maior parte do ano. Ali, na sombra da gigante árvore, podia
brincar à vontade enquanto minha mãe cuidava dos serviços domésticos. Por ser filha
única, costumava brincar sozinha. De quando em vez, ouvia naquele silencioso
ambiente, o vento executar uma sinfonia que tinha nas folhas da mangueira seus
principais instrumentos musicais. Mas não só. As cercas vivas que dividiam os
quintais vizinhos também deixavam que sons alheios entrassem na orquestração: vozes
de adultos, gritos e choros de crianças, risos de pessoas... As conversas para
mim não tinham sentido, nem mesmo lembro-me do se tratavam, mas significavam
vida naquele contexto melódico. Mesmo à sombra da velha mangueira, no final da
manhã o calor ficava insuportável. Perto do meio dia, o cheiro da comida que
vinha da cozinha sinalizava a hora de tomar um banho e mudar o lugar da
brincadeira. O banho tinha que ser rápido. A água fresca, quase gelada que
banhava meu corpo era conseguida com dificuldade uma vez por semana. Transportado em toneis de zinco de algum
reservatório da cidade tinha que ser coado para encher a caixa d’água do
banheiro. Lembro-me do Chafariz que
ficava na rua da pedreira perto de minha casa e que por ser de um poço de água
doce, podia ser conseguido em pequenas porções destinadas apenas para cozinhar
e beber. Na cozinha de casa, havia três
potes e um filtro de barro que minha mãe conservava sempre cheios. Depois do banho, a rotina seguia com uma
refeição acompanhada de outros sons que enfeitavam a simplicidade da moradia. O almoço era regado pela voz de Silva Lima
conseguida na frequência sintonizada no aparelho de rádio que meu pai tinha
comprado na capital.. Eu tinha a impressão de que o dono daquela voz estava
quase na mesa participando da refeição conosco. Imaginava sua face, e seu tamanho.
Parecia-me ser um homem alto, forte, e apressado. Falava como se tivesse
cantando. Seria difícil acreditar que ele não estivesse bem ali, pertinho da
mesa posta. Na realidade, nunca vi aquele homem. Mas, convivi com sua voz bem
na hora do almoço por quase toda minha infância. Não lembro o que dizia. Não
era meu interesse de criança. Ouvia sem ouvir. Mas apreciava aquele jeito de
falar.
Essas
pinceladas de recordações me vem nesta manhã calma de um domingo de primavera onde
acordo enquanto aqui em casa todos ainda dormem. Levanto para o exercício da
rotina de fim de semana e pela semelhança da quietude da vida da época sem as
opções trazidas pela modernidade, encontro mais espaço de vida com serenidade.