terça-feira, 25 de setembro de 2018

A fala é líquida




A fala é líquida

Tereza Cristina

Quantas falas que se tem!
Algumas delas
Há tempo que não se usa.
De tão guardadas
Elas murcharam
E se desmancharam.

Algumas são guardadas
Para noites de gala.
Outras vão à praia,
Brincam na areia,
 E dizem muito
Sem se quer dizer!

Divagação
Tereza Cristina
Tenho saudades de minha infância! Das brincadeiras com amiguinhos e dos brinquedos inventados. Da inocência que nos favorecia o lazer num simples estar juntos na calçada ou nos quintais, durante a nossa meninice.
Lembro-me do meu olhar que às vezes pausava em algum momento em uma ou em outra situação. Tinha mania de ficar quieta no meio da brincadeira. Era uma pausa para sentir de perto, bem  de pertinho de mim, a alegria daquela atividade prazerosa. Por vezes eu divagava em plena brincadeira. Saia dali com mais imaginação e voltava para vê se poderia enfeitar o instante de contentamento. Era que eu tinha mania de associar as brincadeiras às estórias de trancoso que ouvia. E eram lindas! Cheias de sonhos e vida real! Queria toda a minha fantasia na brincadeira. Parecia até que já sabia de metáfora. Misturava risos com serenidade. Volta e meia era repreendida por algum dos amiguinhos que me chamava atenção. Então voltava a saltitar junto ao meu mundo pueril com a leveza de quem não sabia nada da maldade.
O tempo que ocupava com as peripécias da ludicidade era tão formidável que passava muito depressa e eu  não percebia a necessidade de encerrar.  Sempre era um chamado de minha mãe que me fazia interromper o divertimento.
Com o passar das estações fui notando a mudança natural. Outros momentos surgiram com outras motivações. Mas, em todos eles mantive o interesse pela busca da alegria, da afeição e do trato amigável para com o outro.
Então, a vida me chama a ser séria e eu insisto em sorrir. Por causa dessa irreverência tenho que pagar um preço.  Descubro que vale a pena. E vou colando nos meus dias aqui e ali algumas figurinhas que me fizeram feliz como querendo conservar o mesmo sentimento. Sempre que dá revejo os sonhos. Alguns ainda cheios de vontade.  E assim viajo com meus botões para um lugar de Alice. Confesso que é uma maravilha! Ao contrário do Coelho, sei muito claramente onde quero chegar. Aprendi ao longo desses fevereiros vividos como colorir a vida para que não desbote a sua vibração. Fui construindo um modo de pensar.  Ultrapassei os próprios sonhos quando olhei ao meu redor. Quando percebi que a miséria humana vai além do estômago. Quando me solidarizei com a lágrima de alguém. Quando me alegrei com o brincar do desconhecido. Quando vi nesse desconhecido alguém parecido comigo.
Um dia descobri que já tinha me tornado outra pessoa. Já não era tão primeira pessoa porque a terceira me encantara. E sentir orgulho por esta nova visão de mundo que tinha adquirido. Sou agradecida àquela menina sapeca que ficou em mim. Sou agradecida aos que me ajudaram a guardá-la bem dentro do meu coração.
Mas, essa menina também chora quando olha ao seu redor e não mais encontra os mesmos pares. Há um vazio de brincadeiras...
Esse devaneio que me fez sentir saudades da meninice é o mesmo que descobriu a distância que essa visão de mundo patrocinou daqueles companheirinhos de infância...
Fico pensando  na visão de mundo que amigos de infância e parentes próximos construíram ao longo das suas histórias de vida. Que aconteceu pelo meio do caminho? Qual a distância maior existente entre mim e eles: a do pensamento ou a do sentimento? Um hiato surge logo agora que há uma história tão linda de todos nós onde o tempo nos favoreceu contar e ouvir!